288. Em Esperanto existe maior liberdade de arranjo das palavras na frase do que nas línguas nacionais; vejam-se as seguintes quadras humorísticas, onde sujeito, verbo e complemento se dispõem nas seis posições possíveis:
— Mi vin vidis, ho trezoro, Kaj ekamis vin mi tuj! — Kredas mi vin, tamen oro Estu preta en monuj’!
—Vin mi amas, sed, plej kara, Mi ne kredis tia vin! — Se min amus vi, avara, Farus vi ja min reĝin’!
Essa liberdade, todavia, não é absoluta, ainda que o sentido fique necessariamente claro. Na prosa corrente ninguém diria, por exemplo: vidis mi hieraŭ eksterordinaran ion — Vi ontem uma coisa extraordinária —, sem necessidade, e mesmo pedantemente, pospondo o sujeito mi ao verbo vidis, e, o que nunca se faz,dizendo eksterordinaran ion, quando o hábito já consagrou justamente o contrário, i.e. ion ekstraordinaran. Note-se que, ao proceder como acima indicado, a clareza em nada sofreria, mas a impressão seria, como o é, a de uma ordem forçada; tal prática seria verdadeira extravagância. Como, pois, se observa, no Esperanto, como em toda a parte, o costume faz lei. Vejamos, então, outros hábitos.
289. De regra, os pronomes pessoais antecedem o verbo; por exemplo: Que vejo eu! — Kion mi vidas! Como está você? — Kiel vi fartas? Dormes tu? — Ĉu vi dormas? Avisado andei eu não indo lá — Saĝa mi estis, ke mi ne iris tien. Façamos nós o nosso dever, façam eles o seu. — Ni faru nian devon, ili faru sian (ou la sian).
Podem, porém esses pronomes encontrar-se depois, por exemplo: Não posso, eu sozinho, levar a todo esse povo — Ne povas mi sola porti tiun tutan popolon. Também quando haja uma coordenativa, como aŭ ou nek; pode o pronome pessoal ser posposto ao verbo, p. ex.: Eles têm os mesmos direitos que tenho eu ou outro qualquer — Ili havas la samajn rajtojn, kiujn havas mi aŭ iu alia. Isso não sabia eu nem ninguém — Tion sciis nek mi, nek iu alia.
290. O mesmo ocorre com os determinativos correlativos, por exemplo: Será isso verdade? — Ĉu tio estas vera? Que é isto? — Kio tio ĉi estas? Aconteceu alguma coisa — Io okazis. Mas, também: Agora está tudo em ordem — Nun estas ĉio en ordo. Tinha ela uns olhos como provavelmente ninguém os tinha no mundo — Ŝi havis okulojn, kiajn kredeble havis neniu en la mondo.
291. Se o sujeito é substantivo, pode vir antes ou depois do verbo, obedecendo a ordem, às vezes, ao simples costume; por exemplo: Pedro ainda dorme? — Ĉu Petro ankoraŭ dormas? Como tem passado o Senhor seu Pai? — Kiel fartas sinjoro via patro? Que ordena o meu senhor? — Kion mia sinjoro ordonas? Que quer dizer aquilo e quem é aquele homem? — Kion tio signifas kaj kiu estas tiu homo? Não queira Deus que isso aconteça — Dio ne volu, ke tio okazu.
292. Em frases intercaladas ou pospostas, citando-se expressão de alguém, o sujeito, se pronome pessoal (inclusive oni), via de regra, precede o verbo; se de outra categoria, segue. Ex.: Sim — disse ele —, irei — Jes — li diris —, mi iros. Impossível! — dir-se-á — Ne eble! — oni diros. Horror! — exclamaram todos — Terure! — ekkriis ĉiuj. Hm, hm! — fez Pedro — Hm, hm! — faris Petro.
NOTA — Encontra-se neste caso, em certos autores, a posposição do pronome pessoal e até de oni; o mais corrente, porém, é a anteposição.
293. Mais de um adjetivo que qualifique um substantivo: postam-se, m Esperanto, antes do substantivo, com ou sem vírgula, ou (p. ex. se são dois), um antes, o outro depois, ou mesmo todos depois. Assim: A sonora língua grega — La belsona greka lingvo. Grande casa branca — Granda blanka domo. Até breve conhecimento pessoal! — Ĝis baldaŭa persona konatiĝo! Duas mulheres louras, estrangeiras — Du blondaj fremdlandaj virinoj. Límpidas e curtas noites estivais — Klaraj mallongaj someraj noktoj. Noite escuríssima, negra, intérmina — Nokto mallumega, nigra, senfina. O velho e honrado ministro — La maljuna honesta ministro. Nosso bravo e glorioso rei — Nia brava, glora reĝo. As difíceis línguas nacionais — La malfacilaj lingvoj naciaj. Era um real cerrado antediluviano — Tio estis efektiva densaĵo antaŭdiluva. Agora ele recordava esse glorioso tempo passado — Nun li rememoris tiun gloran tempon pasintan.
294. A disposição dos demais elementos da frase, quais os complementos de verbo e os circunstanciais, etc., muito se assemelha à portuguesa. Não poderíamos aqui apreciar matizes a este respeito, pois, de um lado, não chegaríamos a apresentá-los todos, e de outro, a construção da frase é arte toda pessoal. A língua portuguesa, afora certas regras mais severas (como a delicada questão da colocação dos pronomes oblíquos e algumas outras), é muito liberal neste assunto, em contraste com outras, nas quais o encadeamento das palavras é, por assim dizer, indeclinável. O Esperanto é ainda mais liberal, mas, por sua vez, tem seus hábitos consagrados, conforme acima os indicamos. Afastarmo-nos desses hábitos não conviria, mas, propriamente, erro não cometeríamos, como no caso de uma língua nacional.
295. Assim, ainda um exemplo. Admite-se não ser gentil iniciar-se uma correspondência pelo pronome mi, principiá-la por: Mi ricevis vian leteron... (= Recebi sua carta...) seria falta de cortesia. Para fugir a esta contingência, poderia alguém escrever: Ricevis mi vian leteron...; isto, porém, é contra o costume, devendo, pois, ser evitado. Diga-se, então: Vian leteron mi ricevis...; ou: Plezure mi ricevis vian leteron... (não, igualmente, Plezure ricevis mi..., fazendo lembrar o Alemão!). Neste capítulo, todavia, observamos que o principiar uma carta por mi não parece tão grosseiro, porquanto o próprio Zamenhof, que, por nímia delicadeza, escrevia sempre Vi (com V maiúsculo), em qualquer trecho de sua correspondência, várias cartas e até discursos iniciou com esse pronome da 1ª pessoa.
296. No campo da poesia encontramos as mais imprevistas inversões; para demonstrá-lo, vamos aqui transcrever alguns trechos do “Hamlet” na tradução de Zamenhof:
Ne kredas li pri la fantom’ terura — Ele não crê no horrendo fantasma. Ha, kia besto estas mi!. Ah! que animal sou eu! Ne neas li, ke estas li freneza — Ele não nega que esteja louco. Ĉu havas vi okulojn? Tendes olhos? Kaj nun transiru ni al la aferoj — E agora passemos aos assuntos. Ĉu povas iu diri? — Pode alguém dizer? Vi tremas pro okazo la terura — Tremeis pelo terrível acontecimento. Nu, bonan nokton! — Bonan al vi dormon! / Vin kiu anstataŭas nun? — Bernardo. Bem, boa noite! — Bom sono a vós! / Quem vos rende agora? — Bernardo. Li mem, li mem, mortinta nia reĝo! — Ele mesmo, ele mesmo, o nosso defunto rei! Ho, la profeta mia antaŭsento! — Oh!, o meu profético pressentimento! La sencon de l’ instruo via bona / Konservos mi... — O sentido do vosso bom ensinamento conservarei... Kun sia karaktero la sincera / Li ne esploras certe la rapirojn — Com o seu caráter sincero ele decerto não examinará os floretes.
Note-se o curioso emprego do artigo la com o chamado “adjetivo” possessivo, mas, ainda se observe, não na ordem “artigo-possessivo- substantivo”, como no Português. Também em provérbios, para efeito de rima ou por questão de cadência, se encontram inversões; p. ex.: Ne longe sinjora daŭras favoro — Não muito dura o favor do senhor. En la propra sia domo ĉiu estas granda homo — Na sua própria casa cada qual é grande (homem). Ju homo pli fiera, des puno pli severa — Quanto mais orgulhoso o homem, tanto mais severo o castigo.
Outra curiosidade na poesia do Esperanto é a repetição de vocábulos, como nestes versos do próprio mestre: Sub arbo, sub verda ni sidis — Debaixo duma árvore verde estávamos sentados. De l’ patro de l’ via la krono / Por mi ĝi ne estas havinda — A coroa do vosso pai eu não sou digno de tê-la. Tudo isto, porém, é poesia, de cujas minúcias e “licenças” não é nosso intento aqui tratar.
297. Toda a língua tem certas locuções, certos modos de dizer e até certos termos, que lhe são privativos: chamam-se idiotismos. Grande parte de tais peculiaridades se subtraem às regras e leis gramaticais. O Português, p. ex., tem o infinitivo pessoal (existente também no galego); emprega plural ou singular, por exemplo: “que horas são?, dar as boas festas, bons dias!, cordiais saudações”; a conjunção “que” precedida de “do”, na locução “do que” do comparativo; a locução “a fim de que”, sendo, a rigor, dispensável a preposição “de”; a conjunção “porém” posta entre vírgulas; o uso de um modo verbal por outro (p. ex. presente por futuro, pretérito por condicional); o futuro e o condicional problemáticos; o presente contínuo, p. ex.: “tens visto Pedro?, não tenho dormido bem”; a mesóclise, p. ex.: “dir-se-á, ver-nos- íamos”; o pronome “se” (propriamente acusativo) substituindo pronome pessoal reto ou substantivo, como: “vai-se, ouviu-se, não se morre”; as contrações “à, do, nos” etc.; a repetição da negação, p. ex.: “não sei de nada; nunca vi nenhum cometa; não vou, não”; palavras e locuções expletivas: “você não me sai daqui!, o ladrão do taverneiro, o pobre do menino, sei lá disso!, quase que morro, que lindo que está o céu!, eu é que não sei” etc.; o artigo definido antes do chamado “adjetivo” possessivo: “o meu livro, as minhas mãos”; mudança de sentido de certas palavras pela mudança de gênero, número e posição: “a cabeça — o cabeça”, “o zelo — os zelos”, “homem grande — grande homem”; emprego de um pronome por outro: “como vamos (= vais) de estudos?”; etc. etc. O anacoluto é também idiotismo, p. ex.: “o desgraçado tremiam-lhe as pernas”, “a terra em que tu morreres, nessa morrerei”, etc. Por fim, a palavra “saudade”, que, segundo se diz, não tem equivalente em nenhum outro idioma. Podem considerar-se idiotismos igualmente expressões e modos de dizer que não têm verdadeiros e exatos correspondentes entre os demais povos.
Alguns desses modos de dizer pertencem também a outro ou outros idiomas, dando-se-lhes, então, a denominação genérica de “anomalias idiomáticas”.
298. Seria de supor que o Esperanto, língua “artificial”, obediente à “lógica”, vazado em moldes rígidos, não oferecesse idiotismos, pelo menos do tipo das peculiaridades dos idiomas chamados “ naturais”; entretanto, já a sua própria construção, que seguiu um plano rigoroso, o distingue entre todos os demais idiomas. Poderíamos dizer que quase todas as regras do seu “Fundamento” lhe são privativas. A regularidade de formas de certas categorias gramaticais; afixos que lhe são exclusivos; a consideração somente de “tempos” nos verbos (convindo não esquecer que não há formas diversas para os pretéritos imperfeito e perfeito) e a existência de apenas três modos: o infinitivo, o condicional e o imperativo; a multiplicidade de particípios em ambas as vozes; a ausência de verbo “auxiliar”, com a consequente inexistência de tempos “compostos”, relevando notar que o Esperanto emprega o verbo esti, não só na voz passiva, à semelhança de muitos idiomas, senão também na ativa, na qual é de hábito verbo “auxiliar”, correspondente aos nossos “ter” e “haver”; a mesma forma verbal, seja na ordem direta, seja na indireta; o vocábulo moŝto para título geral de cortesia; as preposicões po e je, que lhe são privilégio; a eliminação do artigo indefinido; o emprego do numeral unu como pronome indefinido, admitindo plural e acusativo neste número, mas não acusativo no singular; a flexibilidade ímpar e a aglutinação ilimitada; escrita e leitura absolutamente rigorosas; a singular apostrofação do artigo definido e dos substantivos, etc. — tudo isso é bom e indiscutível “esperantismo”.
Não incluímos nessa lista o emprego do advérbio no lugar do adjetivo — como no russo —, nem o do acusativo no complemento direto de verbo e no alvo de um movimento — uso encontrado em outras línguas —, mas citaríamos o fato, que é exclusivo do Esperanto, de substituir este caso a uma preposição; idem, o acusativo em advérbios.
299. Ao lado, porém, deste ângulo puramente gramatical, o Esperanto possui “modismos” de outra espécie, quais os possui qualquer outro idioma. Assim, p. ex.: Trafe aŭ maltrafe — Ao acaso, a torto e a direito. (Trafi = atingir, acertar.) Eksalte senhalte — Atropeladamente (à letra: “aos saltos (e) sem parar”). Transsalte senhalte, ou: superpinte — nur tuŝinte — De passagem. (Pinto = ponta; tuŝi = tocar.) Iele-trapele — A trouxe-mouxe; vivi iele-trapele — viver ao deus-dará, arrastar seu destino. Vole- nevole — Queira ou não queira. Iele, iome, duone malbone — Assim-como-assim, nem bem nem mal. Babili muele sencele — Tagarelar a moer, sem objetivo; falar à toa. Nek al temo, nek al celo, ou: nek al teksto, nek al preteksto — Fora de propósito. Mendu-atendu! — Vá esperando! (Mendi = encomendar; atendi = esperar). Trafite! — Exatamente!, isso mesmo! Perfekte kaj sen komo! — Perfeito e escorreito! (komo = vírgula.) Jen staras la bovoj antaŭ la monto! — Aí é que são elas!, aí é que está o busílis! Kiel oni, tiel ĉe ni — Cá e lá más fadas há. Nek pikite, nek hakite — Nem uma coisa nem outra, nem carne nem peixe. (Piki = picar; haki = cortar com machado.) Komenci de Adamo — Começar de Adão (i.e. desde o início). Li neniam venkis la alfabeton; ou: li ŝvitas ankoraŭ super la alfabeto — Ele nunca dominou o alfabeto; ou: ele sua ainda em cima do alfabeto (i.e. ainda mal conhece as letras). Etc., etc.
300. Poderíamos acrescentar mais alguns modismos, relacionados com o Português, p. ex.: Dar às de vila-diogo — Pafi sin for, ou: forpeli siajn piedojn. Sebo nas canelas! — Prenu la piedojn en la manojn!, ou: rapidegu per kolo kaj kapo! Preparar-se para morrer — Ŝmiri siajn plandojn. (Ŝmiri = lubrificar, azeitar; plando = planta do pé.) Passar desta para melhor — Fari sian lastan translokiĝon (fazer a sua derradeira mudança de residência). Torcer a orelha e não sair sangue — Bruligi al si la lipharojn (à letra: queimar os bigodes). Dê o fora!, Caia fora! (= suma-se, rua!) — Enpakiĝu kaj foriĝu!; en bona ordo tra la pordo!; forportu vian pakaĵon kaj havaĵon! (Paki = embrulhar, empacotar.) Cale essa boca! — Tenu la buŝaĉon! Será o que Deus quiser —Fariĝu, kio volas! Pois sim... (i.e. vá falando, que eu não acredito) — Jes, rakontu! Ele é “meio pancada”; ou: tem um parafuso frouxo (i.e. é aloucado) — Mankas klapo al (ou en) lia kapo; ou: li havas en la cerbo tro multe da herbo. (Klapo = válvula; cerbo = cérebro.) Enlouqueceu, deu-lhe a doideira — Li ricevis muŝon en la cerbon. (Muŝo = mosca); ou: Lia cerbo iris promeni; ou: li perdis la kandelon el la kapo; ou: atakis lin horo malsaĝa. Ir no calcante — Veturi sur sia paro da kruroj. Para dizer, em linguagem familiar, que uma coisa é inútil, que uma pena é vã, serve-se o Esperanto de vários modismos, por exemplo: Ĉerpi akvon per kribrilo (= apanhar água com uma peneira); batadi la venton; melki kaproviron (melki = ordenhar); kalkuli muŝojn; tordi ŝnurojn el sablo (tordi = torcer; ŝnuro = corda; sablo = areia); verŝi aeron al aero; draŝi fojnon (= trilhar feno); trapafadi la aeron; etc.
Existem, pois, no Esperanto, conforme dito acima, verdadeiras expressões próprias, muitas das quais não se traduzem à letra, senão por equivalentes; isto dentro de centenas que poderíamos acrescentar.
301. Vejamos agora como alguns lusitanismos passam para o Esperanto. Ex.: Vou sair agora mesmo — Mi estas tuj elironta. Que ingênuo que fui! — Kia naivulo mi (ja) estis! O pobre do menino — La kompatinda infano. (Em estilo faceto: La kompatinduleto.) Que inferno de casa! — Kia infera domo! O patife do meu vizinho — Mia fripona najbaro. O ladrão do taverneiro — Tiu ŝtelisto, la drinkejestro. Que diabo está você a fazer aqui? — Kion, al la diablo, vi faras tie ĉi? Quem lhe dói o dente, vai ao dentista. — Al kiu doloras la dento, tiu iras al la dentisto.
Frases do tipo “eu é que...”, “foi ele que... (ou “...quem”)...” em geral não basta se traduzam no Esperanto invertendo de certo modo a ordem das palavras. Fica bem, p. ex.: fui eu, não ele, que (ou “quem”) assim quis. — NE LI, sed mi tiel volis (= não ele, mas eu assim quis). Igualmente: Eu é que não tenho culpa — NE MI estas kulpa (= não eu tenho culpa). Não foi Pedro que fez isso? — Ĉu NE PETRO tion faris? Não foi ontem que eu nasci — NE HIERAŬ mi naskiĝis. Não é o mar que afunda o navio, senão os ventos — NE MARO dronigas ŝipon, sed la ventoj. Não foi com ele que eu dancei a primeira valsa? — Ĉu mi NE KUN LI dancis la unuan valson? Em frases negativas, como se vê, o efeito desejado se obtém antepondo a negação ao sujeito ou à circunstância; a ordem direta, é claro, traduziria a idéia “natural”, p. ex.: Mi ne estas kulpa — Eu não tenho culpa.
Em frases afirmativas, porém, como: “Foi Pedro que chegou”, não se poderia, a rigor, nem universalmente, adotar critério análogo, dizendo: Venis Petro, julgando que esta inversão produzisse efeito distinto de Petro venis, porque ambas as frases significam simplesmente “Pedro chegou”. Da mesma sorte, à frase: “Deus foi quem tudo criou” não bastaria a inversão: Ĉion kreis Dio, que é o mesmo que Dion ĉion kreis, significando ambas, naturalmente, “ Deus tudo criou”. Na fala, ainda se poderia argumentar que, dando maior entonação ao sujeito, se estaria chamando especial atenção para este; na escrita, porém, de ordinário, nenhuma eficácia teria tal inversão, a não serem casos isolados.
Com efeito, certas vezes a inversão surte efeito, p. ex.: Em questões de amor são os homens que devem dizer a primeira palavra — En amaj aferoj la unuan parolon devas diri la viroj. Igualmente em contrastes, a inversão dá resultado, p. ex.: Eu esperava Pedro, mas quem veio foi o irmão. — Mi atendis Petron, sed venis lia frato. Em vez de você quem rirá será ele. — Anstataŭ vi, ridos li. De regra, todavia, repetimos, não é essa inversão o melhor recurso para o caso, nas mais das vezes dando em nada, conforme acima discutido.
Pode-se, em certas ocasiões, traduzir essa maneira portuguesa usando, por. ex. jen, ou ĝuste, ou ja etc., assim: Isto é que me admira — JEN kio min mirigas (= eis o que me admira); ou: ĜUSTE tio ĉi min mirigas (= justamente isto...). Foi a mim que o Sr. chamou? — Ĉu JA min vi vokis? (Sem o ja poderia significar simplesmente: “O Sr. me chamou?”).
Frases como: “Foi ali que eu nasci” dão ensejo a curiosa consideração: é que por vezes a nossa língua emprega o idiotismo “é que...”, ou semelhante, sem necessidade, porquanto a ordem direta teria a mesma força. Com efeito, em vez de: “Foi ali que eu nasci”, podemos dizer, igualmente bem: “Nasci ali”, seja, em Esperanto: Mi naskiĝis tie. Em consequência, a frase: “Foi ali que eu nasci” traduzimos singela e perfeitamente por: Mi naskiĝis tie.
Não se pense, entretanto, que este nosso modismo não se possa verter tal qual em Esperanto, e é o que encontramos em várias passagens de obras clássicas; assim, por ex.: Esta foi a primeira vez que ela lhe chamou sua filha — Tio ĉi estis la una fojo, ke ŝi nomis ŝin ŝia filino. Foi você que tossiu? — Ĉu tio estis vi, kiu tuŝis? Que é que tanto a aflige? — Kio estas, kio vin tiel afliktas? — Não, Pedro Ivanovitch, fui eu que disse “eh!” — Ne, Pjotr Ivanoviĉ, estis mi, kiu diris “he!”. Vós sois inocentes; fui eu que armei conspiração contra o meu senhor e o matei — Vi estas senkulpaj; estas mi, kiu faris konspiron kontraŭ mia sinjoro kaj mortigis lin. Foi o seu genro, senhor, que...? — Sim, foi exatamente ele (ou: “foi ele mesmo”) que se queixou a mim sobre isso — Ĉu ĝi estas via bofilo, sinjoro, kiu...? Jes, li estas ĝuste tiu, kiu plendis al mi pri tio. Eram eles que tão lamentosamente gemiam — Estis ili, kiuj tiel plende ĝemadis. Onde foi que você pediu a minha mão? — Kie ĝi estis kiu vi petis mian manon? São o meu melhor amigo e a minha própria esposa que me enganam! — Ĝi estas mia plej bona amiko kaj mia propra edzino, kiuj min trompas! E assim várias frases análogas. Todas estas aqui são, umas de Zamenhof, outra colhidas da “Fundamenta Krestomatio”, com a revisão do mestre.
302. Outro idiotismo do Esperanto é o curioso vocábulo mem, que, apesar de invariável em gênero e número, se adapta ao masculino e ao feminino, ao singular e ao plural; é invariável também em caso. Significa “mesmo, próprio”, e suas variações, bem como “por si mesmo”, e variações. Usa-se somente com substantivo ou com um pronome determinativo, seja pessoal, seja correlativo, pronome esse expresso ou oculto. Ex.: Mi mem iros — Eu mesmo (ou “eu mesma”) irei. Ĉiu homo amas sin mem — Cada qual ama a si mesmo (ou “a si próprio”). Kiu mem sin gloras, malbone odoras — Quem a si próprio si gloria cheira mal. Eĉ en la paradizo mem ŝi ne havus tian vivon — Nem mesmo no próprio paraíso, ela teria uma vida assim. Se vi volas trinki, prenu mem akvon — Se queres beber, apanha tu mesmo água. Sonorilo vokas al preĝejo kaj mem neniam eniras — O sino chama à igreja, e ele mesmo nunca entra. Kiu fosas sub alia, falos mem en la foson — Quem cava sob outrem, ele mesmo cairá no fosso. Ne venas rato mem al kato — Não vem o rato por si mesmo ao (encontro do) gato. Kiu mem ne venas, li per la dentoj ĝin prenas — O que por si mesmo não vem, ele o agarra com os dentes. Kiu mem ne penas, nenio al li venas — Quem por si mesmo não se esforça nada lhe vem.
Há, outrossim, a locução per si mem, ex.: Tio estas komprenebla per si mem — Isso é compreensível por si mesmo.
Mem serve também de prefixo, por ex.: memvole — de moto próprio, espontaneamente; memmova — semovente (= que se move por si mesmo); memfido — confiança em si próprio; memregeco — autodomínio; memlernisto ou meminstruisto — autoditada, etc.
De mem derivam-se: mema — idêntico (é pouco usado); memo — (o) “eu”. Em vez de memo é mais corrente “mem” ou “mi”, escrevendo-se assim, entre aspas, p. ex.: Mia “mem” — O meu “eu”. Nia “mi” — O nosso “eu”. Staris antaŭ mi alia “mi” — Estava ante mim um outro “eu”.
303. Ainda um outro modismo do Esperanto, bem digno de registro, é o vocábulo moŝto, título geral de cortesia, conforme referido no § 298. Seu equivalente depende do contexto, assim: El la tri leteroj unu estis adresita: al Lia Episkopa Moŝto, Sinjoro N.; la dua: al Lia Grafa Moŝto, Sinjoro P.; la tria: al Lia Moŝto,Sinjoro D. — Das três cartas uma foi endereçada: ao Exmº Sr. Bispo Dom N.; a segunda: A Sua Excelência o Sr. Conde P.; a terceira: ao Exmo Sr. D. Lia Reĝa Moŝto, Johano II, de Portugalujo — Sua Majestade, (o Rei) Dom João II, de Portugal. (Ou: Lia Reĝa Moŝto la Reĝo J. II de P.; ou simplesmente: Lia Moŝto la Reĝo...). Jes, Via Generala Moŝto! — Sim, Senhor General! Preta por servi al vi, sinjorina moŝto! — Pronto para servi-la, minha Senhora!
Como se vê destes exemplos, a “qualificação” é dada sob forma adjetiva: EpiskopA,ĜrafA, ReĝA, GeneralA, sinjorinA; ocorre, porém, igualmente como substantivo, colocando-se, então, depois de moŝto; por ex.: Lia moŝto sinjoro — Sua Senhoria. La moŝto fraŭlino — A Senhorinha. Moŝto sinjoro! — Meu senhor! La moŝto sinjoro, via frato — O Senhor seu irmão.
Sem algum nome que o qualifique ou esclareça, moŝto se traduzirá consoante o contexto, ou, às vezes, à vontade, se o contexto é vago; por ex.: Ĉi tio estas vera, via moŝto! Isto é verdade, Senhor! (ou “minha Senhora”, ou “Excelência” etc.). Ŝia moŝto ekdeziris fariĝi verkistino... — Sua Senhoria (ou “Sua Excelência”) teve desejos de tornar-se escritora... (estilo irônico).
NOTAS — a) Pode também usar-se, em vez de moŝto, o simples sinjoro (ou “sinjorino”), por ex.: Sinjoro la Prezidanto de la Respubliko (ou “Sinjorino Prezidanto”) — O Sr. Presidente da República. Sinjorino la Dukino de N. (ou “Sinjorino Dukino de N.”) — A Senhora Duquesa de N. Esta é mesmo a forma regular no vocativo inicial da correspondência, por ex: Estimata Sinjoro Profesoro — Prezado Sr. Professor.
b) “Excelência” diz-se especificamente ekscelenco, p. ex.: Lia Ekscelenco la Ministro de Eksterlandaj Aferoj — Sua Excelência, o Ministro dos Negócios Estrangeiros.
Konforma — conforme, adequado.
Lanugaĵo — corbertura felpuda.
Matraco — colchão.
Muzeo — museu.
Nepre voli — fazer questão de.
Pizo — ervilha.
Vidu, tiu estis vera historio.
(El la “Fabeloj”, de Andersen, trad. de Zamenhof.)
Estis iam reĝido, kiu volis edziĝi kun reĝidino, sed li nepre volis, ke tiu estu vera reĝidino. Li travojaĝis la tutan mondon, por trovi tian, sed ĉie troviĝis ia kontraŭaĵo. Da reĝidinoj estis sufiĉe multe, sed ĉu tio estas veraj reĝidinoj, pri tio li neniel povis konvinkiĝi: ĉiam troviĝis io, kio ne estis tute konforma. Tial li venis returne hejmen, kaj estis tre malĝoja, ĉar li tre deziris havi veran reĝidinon.
Unu vesperon fariĝis granda uragano: fulmis kaj tondris, forte pluvegis, estis terure. Subite oni frapetis je la urba pordego, kaj la maljuna reĝo iris, por malfermi. Montriĝis, ke ekstere antaŭ la pordo staras reĝidino. Sed, ho mia Dio, kiel ŝi aspektis pro la pluvo kaj la ventego! La akvo fluis de ŝiaj haroj kaj vestoj, kaj verŝiĝis en ŝiajn ŝuojn kaj elen. Kaj ŝi diris, ke ŝi estas vera reĝidino.
“Nu, pri tio ni tre baldaŭ konvinkiĝos!” pensis la maljuna reĝino. Ŝi tamen nenion diris, sed ŝi iris en la dormoĉambron, elprenis ĉiujn litaĵojn kaj metis unu pizon sur la fundon de la lito. Post tio ŝi prenis dudek matracojn, metis ilin sur la pizon, kaj poste ankoraŭ dudek lanugaĵon sur la matracojn. En lito la reĝidino devis dormi dum la nokto.
Matene oni ŝin demandis, kiel ŝi dormis.
”Ho, terure malbone!” diris la reĝidino; “preskaŭ dum la tuta nokto mi ne povis fermi la okulojn! Dio scias, kio estis en mia lito! Mi kuŝis sur io malmola, kaj mia korpo pro tio fariĝis blua kaj bruna! Estis terure!”
Per tio oni povis vidi, ke ŝi estas vera reĝidino, ĉar tra la dudek matracoj kaj la dudek lanugaĵoj ŝi sentis la pizon. Tiel delikatsenta povis esti nur vera reĝidino!
Tiam la reĝido edziĝis kun ŝi, ĉar nun li sciis, ke li havos veran reĝidinon; kaj la pizon oni metis en la muzeo, kie oni ankoraŭ nun povas ĝin vidi, se neniu ĝin forprenis.
Respondu: Kion volis la reĝido? Kion li faris por tio? Ĉu li sukcesis? Kiel li trovis reĝidinon? (Resp.: Uma princesa veio em pessoa (= mem) a ele). Ĉu estis bela vetero ekstere? Ĉu la reĝidino bone dormis? Kial? (Resp.: Porque a rainha pusera uma ervilha na cama.) Ĉu vi volonte manĝas pizojn? Ĉu vi kredas, ke tio estas vera historio? Ĉu vi amas fabelojn?
Aguentar — Elteni.
Aliviado — Libera.
Ar — Mieno.
Atrapalhar — Konfuzi.
Babel — Babelo.
Contorcer-se — Tordiĝadi.
Dique — Digo.
Estupefação — Mirego.
Exibir-se — Montriĝi.
Fachada — Fasado.
Franzir — Kunŝovi.
Gesticular — Gestadi.
Oportunidade — Okazo.
Opúsculo — Verketo.
Respirar — Spiri.
Sacudir — Svingi.
Sobrolho — Brovoj.
Transbordar — Elverŝiĝi.
Tratar-se — Temi.
Trejeito — Grimaco.
Uma noite veio visitar-nos o Dr. Paulo, sem o Cérbero, mas com um livro; e com aquele seu bom humor, que por vezes (ia foje) transbordava sem dique, foi entrando (li enpaŝis) pela porta e não aguentou mais:
— Sabe você, Alexandre, sabe você da grande novidade?
Meu pai franziu o sobrolho, entre (duone) surpreso e (duone) curioso.
— Ei-la! exclamou o doutor: — uma nova língua, que felizmente acaba com a eterna Babel!
E sacudindo o opúsculo na mão, ele ria, gesticulava, contorcia-se pela sala. Passados (post) aqueles momentos de estupefação, meu pai, respirando mais aliviado (libere), perguntou:
— Mas, de que propriamente se trata?
— De uma nova língua, já disse, mas esta não (é) para atrapalhar as cabeças. É de fato uma “língua internacional!”.
— Ah! exclamou meu pai, como que se lembrando de alguma coisa a esse respeito (en ĉi tiu rilato). — É o “Esperanto”, apresentado por um polonês...
— Isso mesmo! — respondeu o Dr. Paulo,... — Muitos hão de rir (de) que alguém ainda pense nessas fantasias...
Meu pai era um homem sério com (a) cabeça no devido (ĝuste) lugar; tomou um ar sério e disse calmamente:
— Não é tão de rir (“de rir” = ridiga), mas até muito digno da maior consideração. Eu mesmo já pensei em aprender essa língua, mas ainda não tivera oportunidade até hoje. Quer emprestar-me essa brochura?
Dentro de (post) alguns meses a “estrela verde” se exibia na fachada de casa (= de nossa casa), e nós riamos até às lágrimas com (ĉe) os trejeitos do Alex que fazia questão de tudo saber e fazer...